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 Conciliação burguesa e a "situação colonial"

por Carlos Melo 

públicado em 11/04/2022

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"O intermediário leva a

violência

do colonizado"

à casa e ao cérebro

- Frantz Fanon

O sistema de exploração em que vivemos é uma das heranças das invasões coloniais. Este sistema se mantém através de uma estrutura hierárquica e perpetua aquilo que Frantz Fanon chamou de “situação colonial”, que nada mais é do que “uma conquista militar continuada e reforçada por uma administração civil e policial”.

Na “situação colonial”, a administração civil é executada majoritariamente por aquelas e aqueles que representam os interesses da chamada “burguesia nacional”. Vale ressaltar que esta burguesia é formada em grande medida pelos herdeiros dos colonizadores. Eles são, por exemplo, banqueiros, financistas, grandes proprietários de terras, grandes empresários, donos dos meios de produção e dos principais meios de comunicação.

De acordo com Fanon, a burguesia nacional não está interessada em um desenvolvimento benéfico para todos os habitantes de seu país. Por tanto, a administração civil dos países que vivem sob o jugo da “situação colonial” vai estabelecer políticas que atendam aos interesses de seus senhores. Tais políticas, hora são implementadas de formas agressivas e hora são implementadas de formas sutis.

A forma com que os interesses da burguesia nacional serão atendidos, vai depender do contexto vigente. Se o contexto é de calmaria e passividade da população nacional, os interesses burgueses serão atendidos de formas mais agressivas, se o contexto é de revolta e possíveis insurgências, os interesses serão atendidos de formas mais sutis. O fato é, que de uma forma ou de outra, os interesses da burguesia sempre serão atendidos.

Neste sentido, podemos dizer que a situação colonial se mantém de duas formas: através de violências e de conciliações. As violências são utilizadas como norma para a manutenção da “situação colonial”. São violências que atingem os sujeitos explorados em várias dimensões - física, mental e social - e têm como objetivo desestabilizar estes sujeitos e suprimir qualquer tentativa de insurgência. Fanon escreve na obra “Os Condenados da Terra", que “o intermediário leva a violência à casa e ao cérebro do colonizado”.

Sobre as questões das violências, podemos citar algo que Abdias Nascimento escreve na obra “O Quilombismo”:

Diante da rotina de violências ao qual é submetida, de tempos em tempos, a classe explorada se revolta e encena possíveis insurgências. A princípio, as revoltas e insurgências são combatidas pela força policial, que é, como dito, uma das responsáveis pela manutenção e reforço da “situação colonial”.

No caso de persistência prolongada das revoltas e insurgências, a burguesia nacional identifica a necessidade de um “representante”, um líder que exerça a função de conciliador e que consiga estabilizar o regime e manter o domínio da burguesia. Sobre essa questão, Fanon escreve que "a ditadura burguesa dos países subdesenvolvidos obtém a sua solidez da existência de um dirigente. [...], o <<leader>> representa a força moral ao abrigo da qual a burguesia fraca e desprotegida da jovem nação resolve enriquecer".

"A agressão econômica é o fator mais intensamente negativo: atira os negros no desemprego, no subemprego, do que resulta a subversão de sua organização familiar e de sua personalidade, mantendo-os sem os recursos ao atendimento de suas mínimas necessidades de moradia, saúde, educação, alimentação e assim por diante."

O representante da burguesia tem em seu histórico uma vida de militância - “patriótica” e/ou “social”- e atua como intermediário entre o povo e a burguesia. Uma das principais funções do conciliador é estagnar as lutas populares de resistência contra a estrutura social vigente. O líder, “esconde ao povo as suas manobras e converte-se assim no artesão mais zeloso da obra de mistificação e de embrutecimento das massas. Cada vez que fala ao povo recorda a sua vida, que foi com frequência heróica, os combates que conduziu em nome do povo, fazendo assim acreditar às massas que devem continuar a ter confiança”. Desta forma, o líder exerce sua função de estagnar as lutas populares e suprimir os anseios de resistência e mudanças estruturais.

Fanon afirma que nos países subdesenvolvidos, a burguesia não deve encontrar condições para a sua existência e pondera sobre a importância de um partido revolucionário, “o esforço conjugado das massas enquadradas num partido e dos intelectuais perfeitamente conscientes e guiados por princípios revolucionários, deve fechar o caminho a essa burguesia prejudicial e inútil”. O filósofo destaca que a burguesia nacional organiza uma autêntica ditadura racial. Os ministros, os chefes de gabinete, os embaixadores, entre outros cargos estratégicos, são escolhidos entre aqueles de sua raça e de sua própria família. Apenas o partido revolucionário seria capaz de derrubar a organização burguesa.

"o partido deve organizar-se de tal maneira que não se contente apenas em manter contato com as massas. O partido deve ser a expressão direta das massas. [...]. Para chegar a esta concepção do partido, é necessário sobretudo desembaraçar-se muito da ideia muito ocidental, muito burguesa e, portanto, muito depreciativa, de que as massas são incapazes de se dirigirem.

 

[...] É necessário que o povo compreenda a importância do que está em jogo. A causa pública deve ser a causa do público.

 

[...]

 

Ser responsável em um país subdesenvolvido é saber que tudo descansa em definitivo na educação das massas, na elevação do pensamento, no que costuma chamar-se, um pouco apressadamente, a politização. [...]. Politizar as massas não é, não pode ser, fazer apenas um discurso político. É contribuir com todas as forças para a compreensão das massas de que tudo depende delas, [...], que não há homem ilustre responsável por tudo, [...] as mãos mágicas são unicamente as mãos do povo. Para realizar essas coisas, para as encarnar verdadeiramente, é necessário descentralizar ao extremo."

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"Politizar as massa não é,

não pode ser,

discurso político."

fazer apenas um

- Frantz Fanon

Frantz Fanon demonstra que um povo livre é um povo soberano. Um povo digno é um povo responsável. A “situação colonial” trata de suprimir a liberdade dos povos. Sem liberdade, não podem ser soberanos e sem soberania, não podem ser dignos, portanto, não podem ser responsáveis. Trata-se de um projeto que usurpa aquilo que os sujeitos e as sociedades têm de mais importante. Um projeto que desumaniza, massacra e aprisiona os sujeitos da forma mais cruel. Molesta seus corpos e mentes até que, depois de moídos, os sujeitos se tornam completamente dóceis e inertes.

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Carlos Melo

Nascido em Fortaleza (CE). É poeta; pesquisador de Filosofia Ubuntu e De(s)colonialidades; idealizador do Projeto Descolonizando Pensamentos; Idealizador do Grupo de Estudos Rotas de Fuga; idealizador da Pluriverso Edições Independentes; produtor cultural; estuddante do curso de licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto.

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