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por carlos melo
"ser negro é ser
colocado
pela força das coisas ao lado daqueles
- Achille Mbembe
que não são
vistos "
Falar sobre Frantz Fanon e sua obra é falar sobre uma potência em expansão. Certo dia, ouvi do poeta e pesquisador Rômulo Silva que Fanon é um “pensador do devir-ilimitado”. Isso me fez pensar nele enquanto um caminhante, que ao deparar-se com a situação colonial, cava trincheiras, constrói “rotas de fuga” e encontra frestas respiráveis. Tal qual um preto velho: nos aponta encruzilhadas.
Fanon, como um bom médico, identifica os sintomas de uma patologia contagiosa. Depara-se com uma praga que devasta mundos e consome vidas. Observa chagas abertas e nelas encontra parasitas que ao se alimentar da carne de suas vítimas, desestabiliza e arranca sua humanidade, mas não só.
Ao analisar a “situação colonial”, não busca remediar as feridas, mas eliminar suas causas. O prognóstico? Aquilo que veio a chamar de “uma nova humanidade”. Uma humanidade que só se faz possível através do “cadáver em decomposição do mundo-branco”. Trata-se de uma humanidade de todo-o-mundo, portanto, antagônica ao mundo-branco.
Vale ressaltar que o mundo-branco vive em simbiose com a “situação colonial”, de modo que só pode existir através da criação “do outro”. Criação esta que significa dentre outras coisas, separá-lo do grupo dos seres humanos. Trata-se de uma lógica que não reconhece a humanidade “do outro”.
O mundo-branco se fortalece através dos processos de racialização-coisificação. Ao negar a humanidade “do outro”, o torna menos que “humano”, mas não um objeto, uma coisa. De modo que “o outro”, é submetido a uma vida em suspensão. Passando a ser nem isto, nem aquilo. Uma espécie de simbiose entre animal e objeto. A partir disto, torna-se inimigo ou servo.
A pessoa racializada-coisificada após ser submetida a uma vida em suspensão, não encontra lugar no mundo-branco. A ela, são negados os lugares de fala, as relações de cuidado e principalmente os lugares de poder. Neste sentido, o filósofo camaronês Achille Mbembe, argumenta que “ser negro é ser colocado pela força das coisas ao lado daqueles que não são vistos”.
Para Fanon, a humanidade está permanentemente em criação. Essa humanidade em criação é o resultado do encontro com “a face do outro”, a face que, aliás, “me revela a mim mesmo”.
Como dito, a colonização só é possível através dos processos de racialização, ou seja, dos processos de criação “do outro”.
Ao expor a situação colonial, Fanon estanca as chagas e estimula a eliminação de suas causas. Deste modo, nos aponta em direção a uma humanidade por vir. Uma humanidade de todo-o-mundo, onde o outro existirá não mais como uma vida em suspensão, mas como a realização de uma humanidade em criação. Humanidade esta que eclode através do encontro com “a face do outro”.
“só existe humanidade onde o gesto - e, portanto, a relação de cuidado - é possível; onde nos deixamos afetar pela face do outro; onde o gesto está relacionado a uma fala, a uma linguagem que rompe o silêncio”
Observo na obra de Fanon, que o encontro é a base fundamental da humanidade em criação. Como poeta, acredito que não há encontro sem lugar, portanto, ao nos apontar em direção a essa “nova humanidade”, nos aponta também em direção a “lugares de vida”. Penso em “lugares de vida” como lugares onde é possível o encontro com “a face do outro”.
Por fim, vale lembrar que Fanon chamava de “lugar”:
“qualquer experiência de encontro com os outros que abria caminho para uma consciência de si mesmo, não necessariamente como indivíduo singular, mas enquanto lampejo seminal de uma humanidade mais ampla, a debater-se com a fatalidade de um tempo que nunca para, cujo principal atributo é transcorrer -
a passagem por excelência.”
carlos melo
Nascido em Fortaleza (CE). É poeta; produtor cultural; pesquisador de Filosofia Ubuntu, Decolonialidades e pensamento contra-colonial; idealizador do Projeto Descolonizando Pensamentos; Idealizador do Grupo de Estudos Rotas de Fuga; idealizador do Coletivo Reconecta; membro fundador do Sarau da B1; pesquisador do Rekhet - Núcleo de Pesquisa em Filosofia Antiga Africana - Geru Maa - UFF; produtor cultural; estudante do curso de licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).