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Meu Craque,

por Ana Paula Campos

públicado em 14/03/2022

Todos os dias era a mesma coisa. Ela gritava por ele da calçada de casa para que viesse tomar banho. Ele entrava correndo, sorrindo e todo suado, segurando a bola com uma das mãos. Era a sua brincadeira preferida. Dizia que quando crescesse seria um craque do futebol. Ficaria muito rico e compraria uma casa bem grande para morar com a mãe e o irmão. Ela achava bonito quando ele fantasiava assim, então, não o contrariava. Dizia que ele poderia ser qualquer coisa nessa vida, desde que estudasse muito. “A gente só tem as coisas com estudo”, ela repetia todos os dias antes de vê-lo sair para o colégio. Dona Raimunda trabalhava lavando e engomando a roupa de algumas famílias do bairro vizinho. Moravam de aluguel numa casinha humilde; logo, todo dinheiro que ganhava era investido na educação dos filhos. A situação ficou mais difícil depois da morte do marido, então ela fazia o que podia para não deixar faltar nada em casa.

Sempre que podia ia até a escola dos garotos, conversar com a professora e saber como eles estavam. Explicava que não sabia ler porque, quando moça, não tinha cabeça para as letras. Ficava ali sentada na sala de aula só pensando em como poderia arrumar um emprego e ajudar a mãe a sair daquela casa. O pai, um alcoólatra, todos os dias batia o ponto no bar e nas costas de mãe e filha. Uma violência só. A vida em família virara um inferno. Gastava o pouco que ganhava com bebida.

A professora sempre elogiava muito os meninos, principalmente Lucas. Ela mostrava o seu caderno com letra caprichada. “Esse menino vai longe”, ela dizia. Em casa, ele também era um bom garoto. Sentia pena de ver a mãe chegar cansada e ainda ter que fazer as coisas. Por isso, antes de correr para o jogo de futebol, lavava a louça e passava uma vassoura na casa. Outra grande paixão, além do futebol, era o desenho. E o danado tinha talento para a coisa! Passava horas dentro da rede com um caderno velho no colo, desenhando tudo quanto era artista.

Mas seu sonho mesmo era ser jogador de futebol. Sem que ele soubesse, Raimunda tinha mandado fazer um bolinho pro seu aniversário. Faltavam só três dias. 12 anos. Como o tempo passa voando. Até parece que foi um dia desses que ele estava chutando sua barriga. Bem coisa de jogador mesmo. Ela sorria. Agora ele estava ali, deitado em seu colo. Ela quase nem conseguia segurá-lo direito. Enquanto alisava seu cabelo, ralhava baixinho que ele precisava tomar um banho e tirar aquela roupa suja. Sangue. Uma bala perdida achara o corpo negro de Lucas no momento exato em que ele gritava gol!

 Meu Craque, por Ana Paula Campos

O presente projeto intitulado Vozes Insubmissas na Literatura Negra e a Emancipação dos Corpos Negros, configura-se uma alternativa de divulgação de escritoras negras. Além de promover o gosto pela leitura de literatura negra, e contribuir para o fortalecimento das identidades de pessoas negras, bem como na desconstrução de estereótipos do imaginário coletivo.

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Ana Paula Campos

Indígena potiguara, africana em diáspora, candomblecista, juremeira, educadora, especialista em leitura e literatura, pesquisadora e contadora de histórias.

Instagram: @camposapnc

Instagram: @_livros_e_leituras_

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Ta'angahara (Fábio de Oliveira)

Indígena em contexto urbano,  juremeiro, bacharelado no curso de Audiovisual pela UFRN. Fotógrafo, videomaker, documentarista. Militante das questões indígenas e ambientais. Produtor audiovisual e cultural do Gamboa do Jaguaribe. Diretor do podcast Ecos do Jaguaribe. Primeiro colunista indígena do RN pelo Potiguar Notícias.

Instagram: @taangahara

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